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LOUREMBERGUE ALVES

Em Frangalhos

 

Os raios solares ardiam muito. Próprio do horário, talvez. A sombra das árvores era o melhor refúgio. Não o bastante para se esconder do vento quente, distinto da estação. Estação, da qual se beneficiavam os pássaros, com seus curtos voos. Pareciam brincar de pegador, enquanto as borboletas esticavam preguiçosamente as asas, quase a saltitarem sobre as mais variadas flores, as lagartixas, sem pressa, deslizavam-se pela grama, ainda molhada pelo sereno, e as folhas balançavam, tal como em um balé, com passos sincronizados e coreografados, no instante em que os peixinhos se esbaldavam, mergulhados nas águas do córrego que cortava a savana, ao mesmo tempo em que os cachorrinhos corriam e rolavam pelo trieiro, ladeado por velhas e novas árvores encorpadas. A natureza em harmonia. Exemplo de convivência, de respeito uma espécie com a outra, um animal com o outro, uma ave com a outra, etc. O plural no ambiente, sem que haja a intolerância. O intolerável é a intolerância. Esta é a ameaça. Ameaça de morte, de violência. Capaz de violentar a paz e a harmonia. Quebrar o vivido, e a vivência entre os diferentes.

O ser humano sabe muito bem disso. Mas não se afasta, nem deixa de alimentar o preconceito, e a prática deste, resulta na intolerância, o que paralisa, senão acaba de vez com a democracia. Democracia que possibilita a dança dos ecos variados e permite o expressar de grupos diferenciados, além de garantir que os desejantes se manifestem, sem que haja tolhimento ou lacração. Foi exatamente isso que se viu no início deste texto, ainda que rapidamente, com o livre manifestar de animais e aves na natureza. Uma verdadeira lição de viver democrático. Distanciado, contudo, das pessoas, as quais agem de uma forma tal que afasta, exclui e constrói enclaves, embora incansavelmente se digam cristão, tementes a Deus e se colocam dispostas a seguir os preceitos de Cristo. Quando, na verdade, adotam práticas completamente contrárias, mesmo com a bíblia debaixo do braço. Fato corriqueiro na história. Senhores escravizaram, expulsaram posseiros, quilombolas e indígenas, e fizeram do público, extensão do privado. Mudaram leis, legislações, regras e normas. Tudo para continuarem obtendo vantagens. Não ficaram constrangidos em fazê-los. Ao contrário. Aceleraram a desigualdade. Situação que favorece os demagogos, os oportunistas, populistas de esquerda e de direita. A democracia não serve de freio, nem de escudo.

A existência democrática permite também que os eleitores elejam populista, demagogo e tantos outros “istas”. Permitem, igualmente, a eleição da incompetência, do negacionistas e dos de integridade duvidosa, porém com disfarces para esconder-se em pele de cordeiro. Permitem ainda que os desvairados assumam postos jamais sonhados. Existe, aliás, um dito antigo, bastante frequente no século passado e no interior: “queres conhecer bem alguém, deem poder a ele”. Dito e feito. A literatura é rica nessa direção. Não apenas as do pretérito. Mas, também, a do presente. Sempre cheia de violências, alimentadoras da intolerância. Ovacionados, apresentam-se mais e mais destemidos, e agem como se estivessem acima de tudo e de todos, o que provocam distúrbios, solavancos, a exemplo do que se pode sentir quando se está na montanha-russa. Sorriam. Debocham. Não estão nem aí para as consequências. O que querem é uma coisa só: continuarem sobre o tijolo, na área central, bastante visível, de onde fazem suas travessuras, a exemplo de Nero, em Roma, o último da dinastia Júlio-claudiana (julho de 64 d.C), com “um tumulto se apoderou de toda a cidade e pessoas corriam de um lado para outro como loucas… Muitas eram pisoteadas e esmagadas. Assistia-se a tudo o que se produz numa tal catástrofe”. O mundo está cheio de controversos, extravagantes e mal-afamados. Chegam ao poder, e, então, tudo fazem para dar vasão as suas aberrações, sem respeito à coisa alguma, enquanto, ao fundo, ouve-se a música fúnebre, e o estampido de um país de instituições em frangalhos. É isto.

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.

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