Coerência e incoerência. Palavras não ditas, ou raramente pronunciadas, porém, seus significados são corriqueiros, usuais. Inexiste um só instante em que não se possa identificá-los. Estão presentes em falas nas redes sociais, em ações de governantes e em gestos dos agentes políticos. Por mais que tenham pessoas que querem escondê-los. Torná-los invisíveis. Mesmo assim, claro, os significados e seus resultados se afloram, tais como as borbulhas na nascente do corgo, com suas águas de tão alvas pode se ver ao fundo, as pedrinhas em formato de estrelas. Esconde-los, seria, portanto, tarefa impossível. Até por conta da pororoca de desavenças. Abrupta e destruidora, perigosa à navegação das disputas eleitorais, cujos interesses estão longe de serem os mesmos da coletividade. Saltam aos olhos os desejos de eleitores-torcedores, e, como ondas em tempos de cheias, fazem transbordar açudes, lagoas e riacho de conversas, impregnados além das margens, embebedando tudo que tem pela frente. Senhoreiam do tudo, e, deste tudo, nada resta para quem se recusa a empunhar a bandeira de “A”, “B” ou “C”. Blindam as passagens, veda às entradas, fresta alguma pode ser encontrada.
Vive-se desacompanhado de opções, ainda que o cotidiano do viver traga o sol de escolhas, cujos raios foram afetados pela barragem erguida no meio do rio. O que impede a luz de alcançar toda a sua extensão, acobertada então pelos lençóis de lavagem cerebral, com as correntezas que imbecilizam e apagam a memória. Correntezas que passaram ao léu, longe do olhar de Bem Shapiro (colunista de direita e estadunidense), já que se valia de um binóculo de alcance bastante limitado, a exemplo de muitos, cuja miopia mal permite chegar às dobras, retas e sinuosidades do córrego, que antes contornava e agora, com a crescente expansão, rasga ao meio a urbanidade. E permite maior visão ao Grande irmão, extraído de “1984”, de George Orwell. Assim, em cenário distinto, em meio à expansão das redes sociais, se dá todo o trabalho policialesco, de vigia, que vinha da outra margem, com o vento de suas passadas tentando apagar os fatos e os feitos científicos, enquanto a mentira se sobrepõe a verdade. Esta se vê jogada ao escaninho, espremido a um dos cantos do sótão, ou vendida por algo banal, sem importância, ao passo que aquela se veste de outra maneira, mais sedutora que nunca, capaz de fazer a cabeça de quem quer que seja, sobre a pia batismal da ignorância, com o púlpito como extensão do palanque eleitoral, ainda que sob o mormaço da laicização, em desfile de carro-alegórico da evangelização.
Rasga-se tudo. A ordem tem a cara de desordem, e a desordem, negociada como se fosse o melhor dos mundos, mesmo com o cristal dos poderes todo trincado, por força das passadas trogloditas da grosseria e da falta de compostura, ainda assim ovacionada, cujo eco ganha a dimensão inimaginável, e faz do real o irreal, e este como a mais pura das realidades. Tem-se uma inversão das coisas. Inclusive por quem menos se esperava. Afinal, vendia a imagem de bom-mocinho, samaritano, agora deixado de lado, enquanto o seu verdadeiro EU se mostra por inteiro, sem se importar em ser piegas, uma vez que crê que o Covid-19 nasceu em laboratório chinês. Imediatamente, transformado em vírus da mídia, com o qual, no dizer dele, amedrontou a população, que pisa em uma “terra plana”. Deus meu! Crença ingênua alimentada pela fonte do lysenkoismo, com o descortinar das correntezas de versões fictícias, da falsidade, em meio às águas bravias do contorcismo retórico, responsável pelo escudo da descriminalização, mesmo que inexistam enfoques antagônicos ao nível do leque dos fatos. Tudo isso sem um pingo de remorso, de sentimento pelas vidas ceifadas, que provocaram feridas enormes no seio das famílias. De repente, um trovão. Silêncio! Proliferam-se as lacrações. Fecham-se os muros. Enclaves são construídos. Constroem-nos com tijolos, assentados a argamassa da intolerância. Dura realidade! É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.