O viver em democracia não é tarefa fácil. Ninguém disse que seria, e tampouco que um dia será. Pois este viver, além de outras exigências, requer um comportamento basilar: o respeito às diferenças e aos diferentes. Respeito alicerçado na necessidade de ver o outro não como inimigo, ainda que tenha posicionamento distinto sobre uma dada situação, tema ou problemática. Posicionar-se é um ato político. Ação imprescindível dentro do Estado democrático. Neste, a movimentação se dá pela totalidade de seus integrantes, até porque nunca se viu pardais deliberando, nem democracia alguma sendo oferecida em bandeja como presente, muito menos como resultado de um trabalho de meia dúzia de super-homens, heroínas e heróis. Isto é o óbvio. Óbvio, contudo, passado batido por uma porção de pessoas. Pessoas que também vivem em comunhão, ainda que, sequer, venham a se cumprimentarem, ou a cumprimentarem a outrem, pois se comungam de igual solo, pátria e história. Embora exista quem muito tem, e outros, nada possuem.
O nada possuir não faz de alguns despatriados, ou apátridas ou desterrados na própria terra. Igualmente se pode, e deve dizer a respeito dos ocupantes de trincheira oposta a trincheira do grupo encastelado no poder, e aos seus defensores. Afinal, o viver democrático é todo construído por tijolos da liberdade. Valer-se, então, do ser livre é uma prerrogativa necessária de cada integrante do Estado. Posicionar-se é um direito que lhes assiste. Condená-los por isso, ou tacha-los “disso” ou “daquilo outro”, é tentar surripiá-los direitos, os quais foram conquistados individual e coletivamente. Direitos garantidos pela Constituição Federal, que deveria ser respeitada por todo mundo, independente do cargo que um ou mais deles estejam ocupando, da conta bancária recheada de outrem ou do privilégio que alguém possa ter. Ninguém pode estar acima da lei e das normas. Ainda que se resida e pertença a um país, como o Brasil, de tão escancarada desigualdade social. Agravada em razão da inflação galopante, do preço descontrolado dos produtos de primeira necessidade – consequência daquela, cujo peso maior recai sobre os mais necessitados.
Neste sentido, a democracia não pode se referir tão somente a um sistema de governo, ou de eleições. É muito mais do que isto. Pois não se pode discutir o sistema democrático, sem ter a clareza das questões sociais. Discussão imprescindível. Tanto que um dos maiores direitos em uma democracia – senão o maior – é a liberdade de expressão, de manifestação (não a ameaça, agressão, ataques e a acusação sem provas). Quando não se tem mais a tal liberdade, o processo democrático se esfacela, esvai e acaba de vez. Mesmo que os membros de um grupinho, situado no poder de mando, ao contrário dos integrantes dos demais grupos, estejam conversando.
Conversar é uma ação. Ação que carece de outra, a ação de ouvir. Ouvir e falar são verbos, de sentidos diferentes, porém complementares. Interação. Um não se realiza sem o outro. Quem fala merece ser ouvido, e quem ouve tem que ter o seu tempo para falar. Se isso for quebrado, inexiste uma conversa, diálogo. Coisa que costumeiramente acontece, quer seja em um programa televisivo ou radiofônico ou nas redes sociais, uma vez que as pessoas, quase sempre, se mostram desinteressadas em ouvir, sem paciência para entender o que estão a dizer-lhes, ainda que sejam mais importantes do que eles têm a contar. O que demonstra, claramente, a falta de habilidade para lidar com a liberdade, que se dá em mão dupla. Até porque o não ter paciência para ouvir, o não prestar atenção no que lhes é dito, pode ser tido como um comportamento estranho, arrogante, preconceituoso, agressivo e desinteligente, pois se aprende, bem mais quando se ouve, do que quando se fala, ainda que prefiras ouvir o som da própria voz. Além é claro, de ser intolerante. A intolerância é a arma mortífera contra a democracia. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e estudioso do jogo político.