O crédito consignado de servidores estaduais de Mato Grosso passou a ser investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal por indícios de fraudes que podem ocorrer também em outras unidades da federação. A Capital Consig, que movimenta cerca de R$ 60 milhões por mês em empréstimos com desconto em folha, por meio de convênios com o INSS, instituições estaduais, prefeituras e empresas privadas, está no centro das denúncias. As suspeitas atingem até fundos de investimento que adquirem os recebíveis dessas transações.
As acusações apontam que, em diversos contratos, os servidores receberam os valores como “saque no cartão”, mesmo sem nunca terem recebido o cartão físico, e os descontos começaram automaticamente no contracheque. Essa conduta pode configurar fraude, pois impede que o consumidor conheça previamente as condições contratuais.
O Sindicato dos Profissionais da Área Meio do Executivo de MT (Sinpaig) informou que desde 2022 tem reavaliado contratos de crédito de seus filiados. Para isso, contratou a economista Elcione Couto Melo, que colabora nas negociações de dívidas. O presidente do sindicato, Antonio Wagner de Oliveira, relatou que não obteve acesso às Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) emitidas pela Capital Consig, mesmo após recorrer ao SAC da empresa, Procon, Banco Central e à plataforma consumidor.gov.
As CCBs são documentos fundamentais que detalham tarifas, juros e demais condições de cada contrato de empréstimo, e são provas essenciais em casos de litígio. Conforme o sindicato, a empresa detém cerca de 20 mil contratos com mais de 13 mil servidores do Estado. Uma auditoria feita em 370 desses contratos identificou irregularidades como diferença entre o valor contratado e o efetivamente creditado, contratos sem assinatura e operações realizadas sem autorização legal para crédito consignado.
Em aproximadamente 80% dos contratos analisados, o montante depositado ao servidor foi inferior ao especificado no contrato. Em um dos casos apurados, o servidor recebeu R$ 20 mil, embora o contrato indicasse R$ 33 mil como valor financiado, o que estendeu indevidamente o período de quitação da dívida.
As denúncias foram encaminhadas em agosto de 2023 à Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), que apenas em maio deste ano suspendeu a Capital Consig e suas controladas – ABC Card, Cartos, Clickbank e Bem Cartões – de realizar novas operações. A análise preliminar da Seplag apontou “fortes indícios de irregularidades”.
A Capital Consig está registrada junto ao Banco Central como Sociedade de Crédito Direto. Em comunicado, a Febraban declarou que, ao ser informada da suspensão, notificaria a Capital Consig para que prestasse esclarecimentos, uma vez que a empresa integra o sistema de autorregulação do crédito consignado desde abril de 2024.
Além das acusações, a Capital Consig acionou a Justiça contra o presidente do Sinpaig, sendo representada pelo advogado Nelson Willians – conhecido por seu estilo de vida luxuoso e mencionado em documentos do Coaf por movimentações financeiras suspeitas em apurações sobre fraudes no INSS. O sindicato é representado pelo escritório do ex-governador Pedro Taques nas ações jurídicas relacionadas ao caso.
A Capital Consig se manifestou em nota, alegando que as denúncias têm motivação política, com o objetivo de desgastar o governo estadual, e que todas as instituições financeiras passam por auditorias. “A operação da empresa segue rigorosamente as normas e todas as acusações são infundadas. Já ingressamos com queixa-crime contra o presidente do sindicato por calúnia e difamação”, declarou a companhia.
Atualmente, a legislação estadual permite que servidores parcelem dívidas em até 120 meses, comprometendo até 60% da renda líquida, o que favorece o risco de superendividamento.