MINHA MARIA

O domingo do ano

Hoje amanheci dolorido, uma dorzinha me incomodando, persistente me chamando a destapar potes há muito guardados nas muitas dobras da alma, onde escondemos o que queremos que fosse diferente.

De repente a lembrança de uma mão a acariciar minhas costas enquanto eu, vestido de apenas um calçãozinho feito por ela, procurava meu bocado de atenção a ouvindo conversar com visitas, sentada em uma cadeira de madeira pintada de azul com assento de palha.

Ali em pé, curvado sobre suas pernas, sentia acolhimento e proteção, sem saber que hoje, após tantos anos, sentiria aquelas mesmas mãos em pensamento, me sentindo o mesmo menino lhe seguindo para onde fosse, correndo atrás de sua presença.

Devagarinho, assim como aquelas mãos afagando minhas costas pequenas, fui desembrulhando recordações, e a vi jovem, bem humorada, em uma alegria que transbordava quando seus filhos estavam bem.

Sempre se pôs entre qualquer coisa que pudesse afetar um dos seus.

Eu que fiz o mesmo caminho que ela, saindo cedo de casa, perdi muito do seu amadurecer.

Entre pequenos encontros, poucos telefonemas, e uma ligação emocional que ela nunca deixou enfraquecer, fui me acomodando nas distancias.

Falava pouco sobre seus sentimentos, mas seu amor pelos filhos sempre se mostrou enorme em suas atitudes; era grande demais para caber em palavras.

Em uma de minhas rápidas visitas, em meio a um assunto qualquer, ela marejou os olhos e me disse: “Não há uma noite se quer que, ao por minha cabeça no travesseiro, eu não peça a Deus por cada um de vocês”. Talvez tenha me escolhido para ouvir essa frase por ser eu o desgarrado entre os seus.

Como se fosse despedida, por um curto período, voltei a morar com ela, sem saber que era minha última oportunidade de tê-la por perto.

Tem uma última imagem que me ronda, na despedida, minha mão sobre sua mão fria. Com a visão distorcida por lágrimas senti sua mão se aquecer com a minha. Desejo que aquele calor tenha chegado até seu coração dizendo tudo que, ainda hoje, não consigo traduzir em palavras.

E em uma véspera de dia das mães ela parou de me esperar.