POR ONOFRE RIBEIRO

Fui o pai possível

 

Este artigo tem endereço certo: aquelas pais e mães que passaram pela experiência de morte de filhos. Em dezembro de 2004 nosso filho Marcelo morreu num acidente de moto do Salvador, aos 29 anos. Estaria hoje com 50 anos de idade. Nos deixou a esposa Daniela e o filho Luka de 3 anos à época.

Os primeiros dias a gente atravessa meio que anestesiado. Os meses seguintes trazem o peso da realidade. É nesse período que fica muito claro que pais não foram criados para morrerem depois dos seus filhos. A regra ideal é que os pais cumpram a sua missão terrena e os filhos os devolvam à vida espiritual.

No nosso caso em relação ao Marcelo, nos primeiros meses fiz todo o esforço possível pra segurar a pressão emocional e acolher a família na segurança do meu abraço. Afinal, ficaram três filhos, a Carmem, Daniela, o neto Luka e demais netos. Parecia que ia dar certo. Eu seguraria a pressão enquanto todos se recompunham, cada um ao seu tempo.

Porém, num dia qualquer, sem prévio aviso, amanheci completamente deprimido. Sem causa momentânea. Carmem imediatamente localizou uma psicóloga pra conversar comigo. Na sua intuição ela percebeu que minha resistência psicológica chegara ao fim. Uma psicóloga madura capaz de lidar com a situação.

Começaram as sessões. Não rendiam muito porque eu precisava destravar e, no fundo, não sabia se queria. Isso durou um tempo. Ela tentou diversas estratégias, mas esbarrava sempre no meu muro de defesa.

Numa sessão, inesperadamente ela fez uma pergunta curta e certeira: “que tipo de pai você foi?”. Respondi sem pensar: “fui o pai possível!”. Saiu o peso das costas e o muro caiu, Era ali que estava o cerne da questão. Marcelo e eu nos desentendíamos com frequência naquela fase dos 15 anos dele mas logo corrigiu e nos tornamos muito próximos e confiantes.

Depois de sua morte, de algum modo inconsciente aquele período voltou como culpa e eu me perguntava se não tinha sido muito duro com ele. Descobri posteriormente no relacionamento com outros pais e famílias que também perderam filhos que a culpa é recorrente em todos. Por um motivo ou por outro. Descobrimos também que morrem mais jovens do que adultos. Então, o drama familiar de sentir algum tipo de culpa é muito comum.

Todos somos e fomos os pais possíveis, porque criar, educar e ensinar o básico da vida não vem numa cartilha do berçário junto com o filho quando nasce. Cada um é uma experiência única.

Hoje minha família e eu olhamos com serenidade a passagem do Marcelo. Ele encerrou a sua jornada e nós ainda não! Não sofremos mais. Fomos a família possível!

Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso

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