POR ASSESSORIA
Mais de 90% das mortes maternas no Brasil poderiam ser evitadas, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). Mesmo assim, o país ainda enfrenta índices altos de mortalidade, cerca de 58 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, conforme dados recentes do Ministério da Saúde (2024). Entre as causas mais frequentes estão a negligência médica, a falta de escuta da gestante e o atendimento inadequado.
Foi nesse contexto que ocorreu a morte de Laísa Júlia Reis Oliveira Lira e de sua filha recém-nascida, Ayla Souza Reis, em Cuiabá. Cerca de um ano após as mortes, a família ingressou com ação judicial contra o Hospital Beneficente Santa Helena, denunciando falhas de conduta médica, omissão de socorro e negligência no cuidado à paciente.
A ação pede a responsabilização do hospital por danos morais e materiais, com base na responsabilidade objetiva da instituição pelas condutas médicas e administrativas que, segundo os autos, foram determinantes para o desfecho trágico de 4 de setembro de 2024. De acordo com o processo, Laísa, com 38 semanas de gestação, buscou atendimento pela primeira vez no dia 2 de setembro, apresentando febre alta, dores no corpo, náuseas e batimentos fetais acelerados.
Mesmo diante desses sinais de alerta, foi liberada após receber medicação sintomática, sem realização de exames laboratoriais. O médico plantonista ainda registrou o nome da paciente de forma incorreta no prontuário. No dia seguinte, ela retornou à unidade com febre de 38,4°C e batimentos cardíacos fetais acima de 180 bpm, mas novamente foi orientada a aguardar o resultado dos exames em casa.
Na madrugada do dia 4, já debilitada e com fortes dores abdominais, a gestante procurou o hospital pela terceira vez. Só então os exames apontaram infecção em evolução. Mesmo assim, nenhuma medida efetiva de internação ou transferência foi adotada, contrariando protocolos de urgência obstétrica. Sem o suporte necessário, a família decidiu levá-la por meios próprios ao Hospital Geral Universitário (HGU), onde foi realizada uma cesariana de emergência. Laísa e a bebê Ayla não resistiram à infecção generalizada. Ainda segundo os autos, o quadro evoluiu rapidamente para atonia uterina e uma sequência de complicações que culminaram em parada cardíaca.
O caso gerou comoção em Cuiabá e em todo o estado, tanto pela juventude de Laísa quanto pela luta pública de sua mãe, Paolla Reis, candidata à Câmara Municipal e reconhecida por sua atuação em causas sociais. Laísa era bacharel em Direito e compartilhava nas redes sociais detalhes da gestação, celebrando a chegada de sua primeira filha.
O advogado Murilo de Moura Gonçalves, representante da família, afirma que o processo busca responsabilizar o hospital por falhas graves e omissão de socorro, destacando que a paciente procurou atendimento três vezes em dois dias sem receber o suporte adequado.
“Não foi um erro pontual, mas uma sequência de decisões que ignoraram protocolos básicos e o dever de cuidado. Essa ação é também um pedido de justiça por todas as mulheres que não são ouvidas quando dizem que algo está errado. Mais do que reparação, buscamos respeito à vida, à memória de mãe e filha, e que essa dor não se repita com outras famílias”, afirmou o advogado.
A mãe e avó, Paolla Reis, declarou que sua motivação para ingressar com a ação vai além da dor pessoal e busca dar voz a outras famílias que enfrentam situações semelhantes.
“Mesmo neste momento de dor, o que me move é falar em nome das famílias que perdem filhas e netos por falta de cuidado e de humanidade no atendimento. Destruiu minha vida ver minha filha entrar em um hospital viva e sair morta, junto com minha neta. Essa dor é irreparável, nada vai trazer ela de volta, mas quem fez isso não pode passar impune, meu pedido de justiça é feito por Laísa, Ayla, por nós familiares e amigos que estamos devastados. Busco justiça por todas as mulheres que confiam no sistema de saúde e merecem um atendimento digno. Que nenhuma outra família precise passar por isso”
A família reforça que o objetivo da ação não é financeiro, mas simbólico e reparador.
O valor de R$ 2,4 milhões, pedido a título de indenização, será integralmente destinado a ações sociais que Laísa desenvolvia em vida, voltadas à proteção de mulheres e à promoção da justiça social. O processo foi protocolado em 3 de outubro de 2025, na 6ª Vara Cível da Capital, teve gratuidade processual concedida e aguarda manifestação da defesa e designação de perícia médica judicial, que deverá analisar os prontuários e demais documentos apresentados pela família.
Mortalidade materna no Brasil
O Brasil registra, em média, 2 mil mortes maternas por ano, um número que permanece sem redução significativa nas últimas duas décadas, segundo o Ministério da Saúde. Atualmente, o país mantém uma razão de mortalidade materna de 55 a 60 óbitos por 100 mil nascidos vivos, patamar semelhante ao da década de 1990. As principais causas são: falhas na assistência pré-natal, demora no atendimento de urgência e ausência de protocolos efetivos nas maternidades. Especialistas apontam que a redução da mortalidade depende de escuta ativa das gestantes, atendimento humanizado e responsabilização de instituições que falham no dever de cuidado, princípios que fundamentam a ação movida pela família de Laísa.


