Um levantamento técnico elaborado pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc), a pedido do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desmonta a tese de que a ocupação da área conhecida como Contorno Leste, em Cuiabá, seria motivada por necessidade habitacional. O relatório, realizado em três propriedades distintas que foram alvos dos invasores, revela que das 2.594 famílias identificadas no local, apenas 172 foram consideradas efetivamente vulneráveis e elegíveis para programas sociais de habitação, o que representa cerca de 6% do total.
Durante a checagem, foram analisados 1.283 CPFs de moradores cadastrados. O cruzamento de dados com órgãos como Anoreg, Jucemat, CAD-Único, Cadastro Nacional de informações Sociais (CNIS) e Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) revelou situações que contradizem a narrativa de vulnerabilidade: 21,1% das pessoas possuíam empresa registrada (CNPJ), 23,8% mantinham vínculo empregatício, 6,3% eram proprietários de imóveis e 18 pessoas eram servidoras públicas. O relatório aponta ainda casos de moradores com ficha criminal e até mandados de prisão em aberto.
A área invadida pertence à família Pinto desde a década de 1960, conforme comprovado por registros públicos e documentação apresentada no processo judicial. Em decisão da 2ª Vara Cível Especializada em Direito Agrário de Cuiabá, o juiz responsável reconheceu a posse justa, contínua e legal do imóvel por parte dos autores da ação. A decisão também confirma que a ocupação foi violenta, iniciada em janeiro de 2023, com uso de tratores e instalação clandestina de estacas para demarcar os lotes, sem qualquer respaldo legal.
“O imóvel saiu parcialmente, em cerca de 80 hectares atualmente, do âmbito de disponibilidade da parte autora por atos claros de violência praticados pelos réus, o que caracteriza o esbulho possessório”, destacou o magistrado em decisão.
A decisão judicial também derruba o argumento de que a desocupação feriria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no contexto da pandemia. O juiz esclareceu que a invasão ocorreu após 31 de março de 2021 — marco temporal fixado pelo STF para suspensões previstas na ADPF 828 —, o que afasta qualquer proteção especial para os invasores. “A pretensão de permanecer no imóvel representaria incentivo às invasões, o que refoge ao propósito de assegurar direitos fundamentais aos verdadeiramente vulneráveis”, reforça o despacho.