Polarizada está à disputa pela chefia do Executivo federal. Polarização que mexe com boa parte da população, fazendo-a dividir em duas, distanciadas pelas agressões mútuas, e marcadas pela falta de bom-senso. Falta que acirra os ânimos. Acirrados, impeditivos de qualquer tentativa de diálogo, o que destoa da própria política, em seu conceito mais amplo. Ainda que se esteja na seara da briga político-eleitoral, onde agente-políticos, transformados em pré-candidatos e daqui a pouco em candidatos de fato, se digladiam, sem serem esgrimistas de verdade. Este não ser diz muita coisa, além de explicar uma porção de outras, inclusive o comportamento beligerante, o qual torna inimigo o adversário. Situação que se vê repetida entre seus torcedores. Torcem simplesmente, despidos de quaisquer filtros, igualmente do desconfiometro. Talvez, por isso, quem sabe, desviam-se a atenção, e ao desviarem-se, perdem a noção do vivido, do experimentado, sem se darem conta de que estão sendo usados. Usados por quem são justamente, por eles, endeusados. Seus olhos, os daqueles, estão embaçados, e, por esta razão, sentem-se impossibilitados de verem a um palmo diante do nariz. Não veem o óbvio. Óbvio que escorre à frente, e faz mansamente e tão lívido, a despeito da nódoa que se apresenta diante da íris, um tanto perturbadora, com a mentira a se espalhar livremente por todo o leito da Internet.
Mentira que passa por meia-verdade, ou travestida de pós-verdade, com as variadas “narrativas” que se misturam e se grudam umas com as outras, quase como irmãs-gêmeas, com iguais notas musicais, embora exista quem as diferencia, sem consegui-las separá-las. O que impede, por outro lado, de se ter traços distintos entre os atores-sujeitos, em disputas, mesmo que cada qual tenha plateia diferente. Plateia que se vê conduzida por um roteiro de fantasias, cujas palavras são manipuladas e os dizeres, floreados. Vendidos como se fosse o melhor dos pratos sobre a mesa e em meio à ausência do paladar, do gosto e da sensibilidade.
Insensibilidade que banaliza o mal, e sacrifica a inocência e martiriza a docilidade. Tanto que a atrocidade é escamoteada com verniz. Verniz tão dourado que obscurece a claridade do sol, e faz crença a ignorância da insensatez, tornando ainda mais violento o calvário da brutalidade, sob a ladainha da generosidade, do cuidado violento revestido do peso da culpa. Culpa-se a violentada, santifica o algoz-violentador, tornado mais humano do que deveria sê-lo, enquanto o trazido no ventre-criança tem que ser salvo, ainda que a estuprada corra riscos de morte, ou seja, obrigada a passar por todas as intempéries ou redemoinhos de sacrifícios, além do conviver com a dor terrível e que jamais se cicatrizará. Dor que é ignorada por quem, muitas vezes, nunca deveria ser menosprezada, pois tem como função-profissão, o procurar sempre o que é justo, e fazer com que suas decisões almejem a justiça.
Justo e justiça são termos distintos. Tem caminhos completamente diferenciados. Embora em alguns momentos para se alcançar o segundo precise praticar sempre o primeiro, em especial em uma Nação, cujo seio é regado pela desigualdade social gritante, ainda que se tenha um estatuto que defenda o combate desse cancro, no seu artigo 3º. Artigo, contudo, sequer observado, levado à mesa dos debates eleitorais. A impressão que se tem, mesmo que fosse levado para os debates, nenhum ator-agente-candidato o notaria, nem perceberia a sua importância, tamanho é a sua miopia. Miopia doentia. Escondida também pelo estado de polarização reinante, onde os roteiros de convivência e do viver político, são todos construídos pelo malabarismo de palavras, sinalizados pelas placas que deseducam o trânsito, e faz do vivido, uma grosseria insensata e dramaticamente impensada, embora ovacionada por alguns. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e estudioso do jogo político.