ARTIGO

Depois do “felizes para sempre”

O que é o amor se não “fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente, um contentamento descontente, dor que desatina sem doer, um não querer mais que bem querer, solitário andar por entre a gente, nunca contentar-se de contente”. Apesar da beleza nos versos de Camões, com o amornar natural da paixão, os casais têm que aprender a lidar com os desafios da rotina e a convivência diária.
Afinal, o que existe depois do felizes para sempre? O filósofo polonês Zygmunt Bauman, diz em uma das suas obras que “vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”. Também avalia que “em um ambiente líquido, imprevisível e de fluxo rápido, que é a sociedade atual (de consumo), precisamos, mais do que nunca, de laços firmes e seguros de amizade e confiança mútua”. Ou seja, o antídoto ainda é construir relações de afeto.
Relacionar-se pode ser mais ou menos difícil, por isso a fase de escolha de um parceiro ou parceira é importante. Dizer que “os opostos se atraem” é mais um mito do que uma realidade, já que as escolhas amorosas são complexas e envolvem tanto fatores conscientes quanto inconscientes. Na terapia cognitivo-comportamental (TCC), entende-se que nossas crenças influenciam significativamente as nossas escolhas.
Pessoas tendem a se atrair por aquelas que confirmam suas crenças fundamentais sobre si mesmas e o mundo. Por exemplo, alguém com baixa autoestima pode inconscientemente escolher parceiros que reforcem essa visão negativa. Além disso, fatores inconscientes, como padrões aprendidos na infância e experiências passadas, também moldam nossas preferências. Esses fatores podem fazer com que busquemos características familiares, mesmo que elas não sejam as mais saudáveis para nós.
Na perspectiva atual, ser resiliente em relacionamentos não significa suportar sofrimento ou violência, mas sim a capacidade de se adaptar, crescer e manter a saúde emocional apesar das dificuldades. Resiliência envolve comunicação eficaz, ou seja, saber expressar e ouvir necessidades e sentimentos; flexibilidade diante de mudanças ao longo do tempo, também autocuidado, que é manter a própria saúde mental e física, além de apoiar a do parceiro; manter limites saudáveis, que é saber quando é necessário se proteger e até mesmo encerrar uma relação prejudicial.
Para que uma relação funcione considerando fatores práticos, ainda é muito importante estabelecer divisão justa de tarefas, com claridade e acordo sobre a divisão do trabalho doméstico e cuidados com os filhos; fazer uma gestão financeira com transparência e colaboração na gestão do dinheiro; manter diálogo regular para resolver problemas e evitar acúmulo de ressentimentos; por fim, reservar tempo  em meio a rotina corrida para namorar e se divertir juntos.
Mesmo com tanta paixão no ar, as estatísticas mostram que o brasileiro está com dificuldade na manutenção do casamento, que segundo a última pesquisa do IBGE (2022), tem durado uma média de 13,8 anos, em Mato Grosso, esse tempo é um pouco menor, de 13,3 anos. O levantamento mostrou que 47,7% dos casais se divorciam com menos de 10 anos de união. Desde 2015, o número total de registros de casamento vem apresentando tendência de queda.
O que os filmes de Hollywood não mostram é que para uma relação “funcionar” é preciso uma combinação de racionalidade e paixão. Paixão pode ser o que inicia a relação, mas a racionalidade e a comunicação são o que a mantém saudável e funcional. Ao invés de nos entregar a desesperança, ao individualismo e decretar a morte do amor, a proposta nesses “tempos líquidos” é justamente o contrário, é construir, primeiramente, uma relação de afeto e compaixão consigo mesmo e assim ter condições saudáveis para amar o outro. Se não sabe ainda como, vem fazer psicoterapia!
Cristiane Amaral, psicóloga com formação em transtorno de ansiedade e depressão no Instituto Albert Einstein.