A política eleitoral é um espetáculo, e, como tal, conta também com seus atores e sua plateia. Não é a primeira vez que se diz isso por aqui. Já foram várias vezes. Emprestada que fora de Hannah Arendt que, por sua vez, buscou em Emanuel Kant, em “Crítica do Juízo”, a dimensão espacial da política, cujo campo, claro, todo tomado por iguais. Iguais, sempre a movimentarem livremente. Afinal, a liberdade, na verdade, se faz de argamassa, sobre a qual se assenta os tijolinhos da democracia. Esta, contudo, ao contrário do que se possa imaginar, não vem pronta e acabada. Até porque sempre irá faltar tijolo para ser assentado. Mesmo com o passar dos anos, com as experiências constantes e permanentes de eleições. Por outro lado, cabe acrescentar, o viver democrático não se resume a disputa eleitoral. Ainda que cada participante se sinta bem à vontade no jogo, e tem que movimentar-se leve e solto de um lado para outro, sem qualquer impedimento, diferentemente de quando se estava na ditadura, que limitava os passos e impedia o trafegar de quem se discordava dela. Era arrancado à força de casa, da companhia dos seus, e jogado nos porões do regime, onde recebia torturas para que viesse a quebrar o silêncio, incômodo dos agentes do estado, quando não era assassinado. Feridas foram abertas, não cicatrizadas, no seio das famílias, as quais, estranhamente, o regime jurava defender, desde que não se sentisse incomodado com o silêncio, imposto por ele mesmo via censura e violência, até que fosse quebrado, também pela opressão e a força das armas.
Situação, por fim, vencida. Não de toda morta, pois, sem mais nem menos, se pode ouvir seus sussurros no interior da masmorra, pela boca de quem se beneficia do viver democrático, que o faz com igual desculpa: “liberdade de expressão”, “imunidade parlamentar”. Desculpa repetida quase sempre, e em especial quando atacam os agentes públicos, as instituições e o próprio Estado democrático. Há um eco ensurdecedor. Ampliado pelas redes sociais. Torcedores se agigantam. Falam, esbravejam e vociferam. Ouve-se, ao longe, um barulho alongado, ainda que seco, quase à moda de quem se está a ofegar. Trincam-se os cristais. Solavancos se acentuam. O respirar se dá por aparelhos. Poucos se dão ao trabalho de prestar atenção no que acontece. Embora se possam sentir calafrios. O vento é ameaçador. Pássaros se afastam. Nem ao menos se atrevem a cantar. Timidamente, o arco-íris se apresenta, ainda que pouco brilhoso, mal se conseguem distinguir suas sete cores, nem a aréola de um acordo celestial, meio de banda da abóbada carrancuda, com a lua e o sol escondidos, enquanto os animais se entrincheiram entre as folhagens de árvores que, há muito perderam o próprio viço, até por conta da agressão sofrida.
Nada se dá à vontade. Acanhamento se resvala na vida em democracia, sem que o espetáculo seja interrompido, com os atores repetindo o “script” de outrora, com iguais gestos de antes, embora com bem menos talento, menos envergadura, e desempenho bastante aquém do que se viu nas páginas pretéritas, em um tempo bastante distante. Tanto que não se ouve mais, nem escuta as orações memoráveis, as quais, um dia, ecoaram pelos corredores dos plenários, e ganharam a ágora, e chegaram aos ouvidos, sem que pudessem acordar o gigante que dormia seu sono profundo em “berço esplêndido”. Mesmo que a bandeira estivesse hasteada. Embora longe de olhares de soslaios, em fisionomia brejeira, sem que a cortina viesse a cair. E, ao cair, o espetáculo se viu tocado por ondas feitas por águas populistas, em demagogia de mentiras. A verdade se encontra presa no porão, desacompanhada de qualquer raio solar, com as correntezas das trevas levando para o fundo a esperança, que carecia ser salva por mãos redentoras, não de um herói ou de um salvador da pátria, mas do conjunto da população, cuja ação depende o país e a própria democracia. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.