A fome em nosso país já foi de tudo, menos urgência para quem não a sente. Olhando para a história, não tão distante, do Brasil, ainda se consegue ver com clareza o longo período em que a fome era considerada opção. Sim, a fome era uma escolha, pois afinal, se dizia, esse é o país em que se plantando tudo dá. O conformismo derivado da preguiça é que levava uma criatura a tal ponto. Idéias assim fomentaram, por anos, a retirada do nordeste brasileiro da federação.
Estamos vivendo outro momento em que a fome não consegue mais ser ignorada. Até a capital de um estado campeão de produtividade entrou para o mapa da fome, a fila dos ossos nos deu essa condição. Precisou de divulgação nacional para que nós, cuiabanos, enxergássemos algo que existia há anos. Sim a fila de doação dos ossos existia há década, a fila de quem compra ossos sempre existiu. Aproveito para informar que a venda de miúdos de frango também cresceu gigantescamente no país, e só não temos a fila de pés de frango porque os chineses gostam tanto disso que o preço disparou.
Não tenho intenção de discutir aspectos políticos da fome. Os mandatários do poder sabem que não estão lá para exibir, se acaso tiverem, seu bom coração, mas sabem também que a fome vota e não dá para pedir paciência a quem não tem o que comer. A política cuida da política.
Vamos falar dos que fazem refeição regularmente. O Brasil está entre os dez países que mais desperdiça alimentos. Dados revelam que cada brasileiro joga no lixo 41,6 kg de alimento anualmente.
Conseguimos fazer isso sem conectar ao espanto e choque de ler que pessoas buscam proteína animal nos restos descartados dos açougues e passam mal após o consumo. Que comem restos depositados no lixo, escolhendo pela cor ou cheiro, vale o que estiver melhor.
Temos hoje no Brasil 27 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza e o dobro disso que se alimenta de forma precária.
Portanto não precisamos nem analisar nossa consciência, basta verificar a despensa; será que não tem nada vencendo ou que faria mais falta na mesa de quem não tem nada?
Aos resistentes a ideia, existe uma maneira de fazer o gesto parecer muito maior. Retire o rótulo de cada alimento doado e escreva “Dignidade”.